TAKIO, O ÍNDIO APAIXONADO POR RITA DE CASSIA DOS SANTOS MENEZES

Se por causa do título você pensou que essa fosse uma história que falasse de escolas literárias e que nos remeteria ao nosso importante mestre do indianismo, José de Alencar, não, não é isso.

Lógico, o índio foi e é uma figura importante, sim, no nosso contexto literário, do Romantismo, mais precisamente e que até hoje tem sua representatividade na luta pelo seu lugar ao sol. Logo, na minha experiência, não podia ser diferente.

Muitas eram as histórias que ouvia sobre essa população vista como do bem e do mal ao mesmo tempo (afinal, eles comiam carne humana, eram antropófagos). Só sei que essas contações de histórias orais e escritas ocuparam um grande espaço lúdico dentro de mim.

Por tudo isso, a partir da adolescência, imaginava viver por um bom tempo numa comunidade indígena. Estava sempre buscando informações sobre o assunto e lendo para saber como seria viver entre eles.

O desejo era tanto que iniciei uma pesquisa sobre os povos do Xingu, que fica no estado do Mato Grosso. Atestei, com pesar, toda a história de luta pela sobrevivência devido a invasão de europeus na região. Entendi também a luta dos irmãos Villas Boas, Cláudio e Leonardo, importantes sertanistas brasileiros, na tentativa de proteger essa comunidade.

O tempo foi passando e o projeto de fazer um estágio no Xingu, ensinando e aprendendo, não saia do papel e foi ficando obsoleto. Então, abracei a ideia de que pesquisaria uma comunidade indígena da minha terra, o Espírito Santo.

As aldeias ficavam localizadas em Aracruz, o único município capixaba que possui índios em aldeias com duas etnias e um total de nove aldeias, sendo quatro Guaranis e cinco Tupiniquins, assim distribuídas – Caeiras Velhas e Boa Esperança localizadas em Santa Cruz, Irajá fica na Rodovia ES – 456, Comboios – distrito de Barra do Riacho, Pau Brasil – Rodovia ES – 257 no trecho que liga a sede do município a fábrica da Aracruz Celulose e ao distrito de Barra do Riacho, Piraquêaçu – menor aldeia localizada na rodovia ES – 010, após a ponte sobre o Rio Piraquê – Açu – Aracruz, hoje considerada como aldeia modelo, construída para gravação de um filme. A última, a aldeia, a de Três Palmeiras, é situada no distrito de Santa Cruz, Rodovia ES-010.

Esse panorama mostra que eu não precisaria ir tão longe para ter contato mais próximo com os índios. E assim foi. Primeiro pensei em ir para conhecer a ambientação e conversar com um representante da aldeia escolhida, que foi a de Caeiras Velhas, situada em Santa Cruz.

Reuni alguns amigos que também gostariam de conhecer uma comunidade indígena e organizamos a nossa ida. Era Janeiro e estávamos em plenas férias. Deixamos um dia de sol na praia para viver essa aventura que seria fantástica. Esse dia finalmente chegou. Na hora marcada estávamos todos no local combinado.

Como já disse, era férias e passávamos essa temporada na praia de Jacaraípe, que é parte do município de Serra, Espírito Santo. O nome da praia é indígena vindo de uma aldeia de pescadores denominada Aldeia de Caraípe, originária da língua Tupi, e fica a 51 km da aldeia selecionada para a visita, Caeiras Velhas.

E assim fomos nós, entre risos, histórias e estrada de chão até a aldeia. Éramos quatro meninas e um menino, Junio, entre 18 e 20 anos. Chegamos, ficamos olhando tudo à distância, enquanto aguardávamos a chegada do cacique responsável pela entrada de visitantes no local.

Quando ele surgiu, nos apresentamos, falamos dos nossos propósitos e desejos de conhecer a comunidade. O cacique nos autorizou e entramos. Logo na chegada fomos surpreendidos por uma cena e paramos para entender e fotografar. Era uma mãe indígena sentada num pequeno lago, junto com umas três crianças e catando piolho de suas cabeças. O surpreendente era que ela tirava os piolhos e os colocava na boca. Ficamos um bom tempo tentando entender a cena. Depois soubemos que elas fazem isso porque engolindo esses insetos, segundo a cultura deles, não retornariam a terra e não procriariam.

A aldeia era grande, partes planas e altas, muitas árvores, muitas delas frutíferas. Muitas crianças correndo e muitos índios desenvolvendo suas tarefas. Nos acompanhando estava um índio, Takio, ágil e conversador que nos mostrava os arredores, suas casas, todas abertas e disponíveis para serem vistas. Dentro das casas, todas de madeira e palha, circulavam, sem restrições, galinhas e pintos, que também tiravam uma pestana sobre os lugares onde os índios dormiam, enquanto outras ciscavam sobre o fogão. Gatos e cachorros também tinham acesso ao local com muita intimidade.

Nosso passeio continuava e, às vezes, não entendíamos muito bem o que o índio chamado Takio, dizia. Em alguns momentos ele parava e ficava olhando para nós. E mais insistente para mim. Em algum momento do passeio, paramos embaixo de uma cobertura de palha e sentamos para descansar. O índio sentou-se ao meu lado e colocou sua mão pesada sobre meu braço e disse alguma coisa que não entendi. Ri, brinquei e trocamos olhares entre os colegas. Um deles entendeu meu pedido e disse “vamos continuar, já está quase na hora de retornar”.

Levantamos e seguimos o roteiro planejado. Ainda havia a visita a um rio, que para eles era muito importante, porque dali tiravam também um dos alimentos preferido pela aldeia, o peixe. O local era realmente lindo, muito verde e o rio passava lento e calmo carregando as folhas e os galhos que caiam.

O nosso amigo índio nos convidou para tomar banho no rio. Nos desculpamos e dissemos não. Ele não ficou muito convencido e segurou-me pelo braço para que eu fosse com ele. Tivemos que ter muita conversa para que ele entendesse o não. Ele foi sozinho. Aproveitamos para conversar e entender que estava na hora de voltarmos.

Saiu da água como se fosse um rei com uma pedra amarela nas mãos. Ela brilhava como o Sol. Ajoelhou-se e me entregou. Demonstrei muita alegria pelo presente e logo resolvemos voltar. O caminho de volta foi silencioso, pois já estávamos preocupados com a situação. Todos no local acenavam para nós e agradeciam a visita.

Momento da despedida. Takio segurou forte no meu braço e falou que “moça bonita não vai, fica”. Falei que precisava ir porque minha família estava me esperando. Ele não entendia e repetia “ todos vão, moça bonita fica”, “ela vai morar aqui comigo”. Essa negociação levou tempo. Eu tremia assustada com a situação e ele não largava meu braço. Meus amigos diziam para ele: “Escuta Takio, alguém está chamando você, lá em cima.” Não adiantava, ele não largava meu braço.

O grupo já estava ansioso por não encontrar uma maneira de negociar com o índio. De repente, como num estalo, meu amigo Junio teve uma ideia brilhante. Falou com ele que eu queria uma fruta nativa que vimos no caminho, e chamou-o para ir ao local buscá-la. Vi os olhos de Takio brilharem. Ele concordou. Junio piscou o olho para nós, e foram.

Entendemos o propósito. Corremos até o carro para esperar nosso amigo salvador. A espera nos deixava aflita por não saber o que estava acontecendo. Um longo tempo depois ele retornou, entrou rápido no carro e sob nossos aplausos, respirou fundo e seguimos de volta.

Estávamos ansiosas para saber como fez para se livrar do índio. Fazíamos muitas perguntas, uma atrás da outra. Ele quase podia ouvir nossos corações, de tanto que batiam de ansiedade. Mas era só silêncio e suas mãos tremiam.

Mais adiante, parou o carro, respirou fundo, olhou para o lado de fora, depois voltou-se para nós, que aguardávamos a sua fala: “no caminho de volta, eu conto como me livrei do índio apaixonado”.


Autoria de: Rita de Cassia dos Santos Menezes, acadêmica correspondente da ACLAPTCTC, cadeira de número 55, patrono o escritor português Luiz Vaz de Camões.

Comentários

Postagens mais visitadas