VELHO MANUEL POR DENISE DE ANDRADE FÉLIX
O
velho Manuel é um homem introvertido, animação estilo bossa nova. Vinte e
quatro anos dedicado a uma mesma repartição pública. Uma vida tranquila,
financeiramente instável, mas nada que um servidor público concursado não
entenda.
Casado
com Noeli, sua companheira de 25 anos de união, alegrias e angústias. Seu
passatempo preferido sempre foi ouvir o futebol de rádio e bater papo com os
sempre mesmos amigos Deco, Antonio e Wilmar na praça próximo a sua casa. Casa
esta que por sinal não vê uma demão de tinta há uns 18 anos; mas quanto a isso
não há problema, afinal é espaçosa , confortável em bairro tranquilo carioca.
Dos seus 4 filhos, dois são comedidos como ele, os outros dois sonham ganhar o
mundo e encher o passaporte de carimbos. Manuel na verdade não entende direito
está inquietação, pois pra ele o Rio sempre foi e sempre será a cidade
maravilhosa dos versos de Jobim e Vinicius. O fato é que algo vem tirando o
sono de Manuel, e olha que pra tirar o sono dele depois de jantar, assistir ao
telejornal e tomar um banho morno; não é tarefa fácil. Francisco começou a ter
medo do futuro. Ele até entende que a tecnologia traz consigo grandes ganhos,
reduzindo ou até eliminando a necessidade de controles manuais, que ela também
pode padronizar processos e consequentemente a incidência de erros ou a
necessidade de retrabalhos são reduzidas, diminuindo o tempo de produção e
aumentando a competitividade das instituições. Ele concorda que a evolução dos
transportes e dos meios de comunicação, também representam importantes benefícios
que a era tecnológica tem proporcionado para a população mundial, sobretudo
para o Rio de Janeiro. Um clássico exemplo disso é a invenção e aperfeiçoamento
do avião, do carro, do navio, do telefone, do rádio, do computador, da
televisão e todas outras aparelhagens e parafernalhas que facilitam o dia a dia
de todos.
O medo não é de uma doença, ou algo
semelhante; mas das constantes e sorrateiras transformações que vem ocorrendo
em sua vida cerca de vinte cinco anos . Ele se inquieta ao olha seu diploma de
datilógrafo na parede, se atualmente nada anda datilografando; até porque as
máquinas estão obsoletamente aposentadas .Ele se inquieta em ver seu vinis do
Gilberto Gil e João Gilberto encostados e por vezes empoeirados devido a falta
de uso e até o cd dos Tribalistas que lhe parecia o ápice da modernidade, anda
pegando poeira em um porta cd na estante da sala, sim na estante, nada de
painel para TV ultra fina. As Barças da estante foram doadas a biblioteca
pública, doadas! De pensar que foram oito meses pagando aquela coleção para
pesquisa e as crianças pesquisarem; só de lembrar que Juninho tomou três
recuperações em Geografia, mesmo com aquela literal riqueza em casa, chega a
dar raiva. Parece que nada é suficiente, quando comprou o vídeo cassete de sete
cabeças pensou que finalmente havia instaurado o último sopro de modernidade e
não mais precisaria preocupar com isso. Doce ilusão! Veio do DVD, o pen drive,
os canais de fechados cada vez mais atrativos. E aquele bicho de sete cabeças,
também se tornou obsoleto. E as oito prestações? Já era! Abra outro crediário e
compre logo uma TV com óculos tridimensionais. E se prepare que vem mais!
Manuel tem sentido saudade de quando conseguia largar o expediente de trabalho
ás 17:30h, atualmente, o trabalho anda através de toques e vibrações dentro de
seu bolso, não importando se é sábado, domingo ou dia santo; o celular chama e
quer sua resposta com urgência. A parte que Manuel gosta disso é que não
precisa mais degelar sua geladeira pelo excesso de gelo, essa aquisição sim,
ele ama e contempla há anos. Na verdade, a grande preocupação de Manuel é
entender onde essa onda vai parar. Até quando ele e seus filhos terão condições
de acompanhar a velocidade com que a tecnologia vem engolindo suas grandes
conquistas. O medo da velhice é um fantasma que o acompanha. Como me manter em
um mundo que anda ficando cada vez mais desconhecido?
Ao ver
seu filho mais novo almoçando e usando o celular simultaneamente, lhe vem a
cabeça a questão da crescente dependência das pessoas ao mundo tecnológico. E o
mais assustador é concluir que seus filhos estão se tornando incapazes de fazer
contas simples sem o uso da calculadora, e que a tabuada, faz parte de um
universo desconhecido dos mesmos. É perturbador para ele pensar como seus pais
na cidadezinha pequena de interior estão se adaptando a esse mundo tão exótico.
Então o velho Manuel tomou uma decisão; se matriculou no curso YouTubers e
avisou a família, agora quem vai ditar tendência sou eu!
Autoria de: Denise de Andrade Félix, Itabira MG, Comendadora e Embaixadora Cultural, Acadêmica Correspondente Cadeira 12, patrono Rodolfo Abbud, Professora, Palestrante, Mestre em educação gestão e políticas públicas, Especialista em História do Brasil e Educação Inclusiva, Escritora com premiação na França, Portugal e Áustria. Vencedora do Prêmio Destaque Literário 2020 Gênero Crônica
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